O Estado de São Paulo - 14/05/2015
A
situação do saneamento básico no Brasil chega a ser trágica.
Menos de metade da população tem acesso ao serviço de esgotamento
sanitário e só 40% do esgoto coletado é tratado. Na Região Norte
do País, só 1 em cada 7 domicílios é ligado à rede. O
abastecimento de água, a outra ponta do saneamento, vê-se ameaçado
por fatores climáticos, o que exige elevar fortemente os
investimentos. Ademais, as perdas de água representam 37% do volume
produzido; em dez Estados, essa proporção é superior a 50%!
A
reversão do quadro requer ações concretas do Estado para estimular
o investimento e acelerar o acesso à coleta e ao tratamento de
esgoto. Exige muito mais persistência, prioridades claras, recursos
e planejamento, especialmente da esfera federal.
Em
matéria de recursos, é preciso lembrar que o volume de
investimentos realizado anualmente no setor é insuficiente para
alcançar a meta, modesta, do Plano Nacional do Saneamento previsto
em 2007: universalizar os serviços básicos até 2033. A média
anual de investimentos do período 2010-2014 foi de R$ 10 bilhões,
inferior aos R$ 15 bilhões exigidos pelo cumprimento da meta.
Mantida a média, a universalização seria alcançada apenas em
2050!
O
prejuízo social dessa situação é imenso. Há estatísticas
abundantes e inequívocas sobre o impacto da falta de saneamento na
mortalidade infantil e na grande incidência de doenças transmitidas
pela água não tratada ou relacionadas à falta de esgotamento
sanitário. Estudo recente do Instituto Trata Brasil, por exemplo,
mostra que a inadequação dos serviços de saneamento no País
provoca cerca de 75 mil internações por infecções
gastrointestinais por ano. Esses males reduzem a frequência escolar,
afetando o rendimento dos alunos. Estudos recentes mostram os efeitos
prejudiciais sobre a formação do cérebro dos fetos em razão da
elevada frequência de doenças por veiculação hídrica nas
gestantes.
Persistência,
prioridades para valer, planejamento e capacidade executiva não são
o forte dos governos petistas, para dizer o menos, e isso afeta de
forma dramática o quadro do saneamento básico no Brasil. Apostando
na eficácia da descentralização para Estados e municípios,
encaminhei projeto ao Congresso, já aprovado pela Comissão de
Assuntos Sociais do Senado, que permite aumentar em cerca de 25% o
volume anual de investimentos em saneamento – em torno de R$ 2,5
bilhões/ano.
Parti
do princípio do que na literatura econômica é conhecido como
“externalidade positiva”: a diferença entre o benefício social
e o benefício privado de determinada atividade. Segmentos com
elevadas externalidades positivas, e esse é o caso do saneamento
básico, devem ser incentivados, em vez de punidos com elevada carga
tributária, como é o caso do saneamento no Brasil. É isso mesmo:
esgotamento sanitário e abastecimento de água são duramente
tributados em nosso país.
Acredite
se quiser: a tributação cresceu desde 2002 e 2003 por causa da
migração das empresas do setor do regime cumulativo para o regime
não cumulativo do PIS/Pasep e da Cofins. Na prática, a carga desses
dois tributos sobre o setor mais do que duplicou, chegando em anos
recentes a um montante próximo de R$ 2,5 bilhões/ano para um total
de investimentos pouco superior a R$ 10 bilhões.
Diante
dessa constatação e do princípio da externalidade positiva, o
projeto de lei apresentado cria o Regime Especial de Incentivos para
o Desenvolvimento do Saneamento Básico, prevendo que os
investimentos nessa área sejam utilizados como créditos perante o
PIS/Pasep e a Cofins. Ou seja, aquilo que foi recolhido será
automaticamente devolvido ao setor sob a forma de novos
investimentos.
Cada
real investido no saneamento acarreta efeitos positivos que vão
muito além da própria área, propiciando não só menores gastos
governamentais no sistema público de saúde, como benefícios
expressivos ao meio ambiente, à educação, ao desenvolvimento
regional e à economia como um todo
É
bem sabido também que o saneamento básico propicia a revitalização
do espaço urbano. Quando uma área que não dispunha de água
tratada e esgotamento sanitário passa a ter acesso a esses serviços,
experimenta valorização imobiliária, transferindo riqueza para
famílias carentes e beneficiando o conjunto da sociedade.
Regiões
com saneamento são mais adequadas para a instalação de novas
atividades industriais e de serviços, atraindo investimento e
gerando renda e oportunidades de emprego. Isso estimula
adicionalmente o setor de construção civil, tão combalido na atual
crise. Exercício feito com base na matriz insumo-produto do IBGE
mostra que um aumento de 10% no total anual de investimentos no
setor, cerca de R$ 1 bilhão a mais, produz um acréscimo no valor
bruto da produção total de R$ 3,14 bilhões.
O
projeto estabelece uma condição importante para que as empresas de
saneamento tenham direito ao crédito do tributo. A primeira é que
os investimentos planejados elevem a média registrada nos últimos
cinco anos: se uma empresa investia cerca de R$ 500 milhões por ano,
só terá direito a crédito para os investimentos que superarem esse
valor nos anos subsequentes. A média do período de 2010 a 2014 será
sempre corrigida pela inflação. Assim, armamos uma proteção
contra os desvios de finalidade dos recursos adicionais.
A
situação do saneamento no País é incompatível com qualquer
projeto decente de desenvolvimento. É preciso desmoralizar a tese de
que investir na área não vale a pena porque obra enterrada não dá
voto, como rezava a cartilha do velho populismo.
Precisamos
fazer o século 21 chegar aos brasileiros literalmente pelo cano. É
humilhante para nós que, na era da economia da informação, milhões
de pessoas estejam sujeitas a doenças que não são causadas por
agentes patogênicos, mas pela desídia. De resto, todos sabemos que
não existem vírus mais agressivos do que a incompetência e a
inércia. Dá para fazer. E chegou a hora de fazer.
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